Aulas 1-2 (20/09/2006) - Estrutura e desenvolvimento do curso
Partindo da conhecida distinção estabelecida por Benjamin Constant entre a "liberdade dos antigos" e a "liberdade dos modernos" - no seu discurso de 1819 intitulado De la liberté des anciens comparée à celle des modernes -, o curso começará por estabelecer, nas suas duas primeiras partes, um contraste histórico entre o pensamento político antigo e o pensamento político moderno.
Abordando a política antiga a partir da República de Platão e da Política e da Ética a Nicómaco de Aristóteles, ver-se-á como, de um modo geral, a política antiga surge determinada por três pontos de partida essenciais. Em primeiro lugar, ela surge determinada por um vínculo essencial entre o indivíduo humano e a comunidade em que ele se integra. A participação na vida política surge assim, para este indivíduo, como algo constitutivo da sua própria identidade essencial. Em segundo lugar, as perspectivas platónica e aristotélica em relação à política partem da afirmação de uma essencial desigualdade entre os homens. Ver-se-á aqui a identidade, mas também as diferenças, entre Platão e Aristóteles no que toca à diferenciação dos indivíduos humanos. Em terceiro lugar, a política aparece aqui assente no conceito de virtude ou excelência (em grego: arêtê) e, consequentemente, na assunção de que o homem é um ente que pode ser transformado, melhorado e aperfeiçoado através de uma prática que enraiza nele determinados hábitos. Com a abordagem de três pensadores políticos fundamentais da modernidade - Maquiavel, Thomas Hobbes e John Locke - ver-se-á de que modo é possível abrir aqui um contraste com a antiguidade. De um modo geral, e em primeiro lugar, ver-se-á de que modo a modernidade parte aqui da afirmação de um sujeito individual cuja liberdade vigora num momento prévio à comunidade, sendo assim irredutível em relação a ela. Em segundo lugar, ver-se-á de que modo a modernidade assenta na afirmação dos homens como essencialmente iguais. Em terceiro lugar, mostrar-se-á como o homem se transforma na política moderna, deixando de ser concebido como um ente em devir, capaz de ser melhorado através do hábito e da prática repetida da virtude, e passando a ser entendido, de um modo geral, como um ente caracterizado por uma liberdade intrínseca para cuja existência e exercício a vida política deve encontrar a imprescindível segurança.
Na III Parte do curso, dotados de uma visão panorâmica histórica tanto quanto possível suficiente acerca do pensamento político, partir-se-á para uma segunda metade do curso, dedicada a questões políticas fundamentais da contemporaneidade. Elegemos três temas que procuraremos abordar neste segundo momento do curso. O primeiro tema é o da procura da unidade política, através de uma perspectiva contratualista sobre a constituição da sociedade política, a partir de sociedades essencialmente heterogéneas e multiculturais. Será aqui sobretudo trabalhada a perspectiva de John Rawls acerca da criação de um "consenso sobreposto" (overlapping consensus) numa sociedade marcada por "visões do mundo" ou - como diz Rawls - por "doutrinas compreensivas" ou "englobantes" (comprehensive doctrines) radicalmente distintas e irredutíveis. O segundo tema a abordar aqui será o do ocaso do Estado moderno, tal como ele foi concebido com base na definição de Jean Bodin de soberania, e na necessidade de abordar o político como realidade independente do Estado. Será aqui considerada a filosofia do Estado de Hegel e o conceito do político de Carl Schmitt. Ver-se-á aqui, a partir de Schmitt, a visão do aparecimento de uma situação política que ultrapassou quer a diferenciação hegeliana entre Estado e sociedade civil, quer uma ordem internacional - o jus publicum europaeum - baseada no sistema tradicional do equilíbrio entre Estados. Finalmente, o terceiro tema a abordar será o do desenvolvimento da biopolítica, partindo de Michel Foucault, mas considerando pensadores como Giorgio Agamben ou Roberto Esposito. Ver-se-á aqui, por um lado, como o poder se transforma intrinsecamente, desenvolvendo-se como biopoder, como poder que incide sobre a própria vida, sobre a "vida nua" (Giorgio Agamben), dilacerando oposições que classicamente eram entendidas como suas imediatas limitações: a oposição interior-exterior, público-privado, etc.. Por outro lado, articular-se-á esta transformação intrínseca do poder com o discurso corrente acerca do "fim do político" e acerca da "despolitização". A questão acerca da articulação entre a invisibilidade e a vigência do poder adquire aqui o espaço que lhe é próprio.
1 Comments:
At 6:12 PM, rbn´s blogue said…
Desde logo a graça que teve este primeiro dia de aulas, é que a faculdade medicina não tem graça nenhuma! É inóspita. Enfim, não é para nós, superiores "entes" do intelecto humano.
Muito resumidamente, 3 pontos essenciais, desta nova cadeira;
- Cada vez gosto mais de Politica,
- Tenho que ler definitivamente a "República" de Platão,
- Platão é mau! Escreveu em grandes quantidades uma obra que ele poderia ter "profetizado" muito bem, que iria ser importante e consequentemente estudada por nós... seus súbditos académicos!
Um adeus, e até uma próxima.
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