Filosofia Social e Política

Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Monday, October 23, 2006

Aula 5-6 (4 de outubro de 2006)

Os livros II e III da República retomam o tema da educação destinada aos guardiães, para que sejam os melhores entre os cidadãos. A sua educação terá lugar de acordo com a tradição grega, cultivando a alma justamente com o corpo; ou seja, através da ginástica, para o aprimoramento do corpo, e da música, para gerar harmonia na alma (401 d).
Perante esta discussão sobre qual seria a educação mais adequada surge pela primeira vez o tema da poesia na República. A poesia (nos livros II e III) é abordada como parte da educação musical que era destinada aos guardiães da cidade. Assim esta poesia que Sócrates refere é os mitos e as histórias sobre os deuses que eram contadas às crianças desde cedo.
Neste contexto, Sócrates defende a necessidade, para a constituição da cidade, da divulgação de uma "mentira" politicamente útil. Trata-se de um mito originado na Fenícia, de cuja divulgação dependeria o bom ordenamento da polis. Um tal “Mito Fenício” (414d- 415d) consiste, por um lado, em convencer os habitantes da polis de que todos os homens nasceram da terra e são, por isso, irmão. Por outro lado, esses mesmos homens seriam constituídos por algo mais que a terra que os une: eles seriam diferenciados entre si em função de um diferente “metal” a que tal terra se associa. Faz-se então, entre os habitantes da cidade, uma distinção triádica:
- Chefes: homens de ouro;
- Guardiães: homens de prata;
- Produtores: homens de bronze.
Assim, no sentido em que os homens são naturalmente diferentes, entende-se que há homens que nascem para mandar enquanto outros nascem para obedecer.
Já no livro IV, os aspectos da vida da comunidade são regulamentados. Então, Sócrates evidencia uma cidade perfeita. Para ser perfeita a cidade tem que "gozar" das quatro virtudes, ou seja, a sabedoria (sophia) e sabedoria prática ou prudência (phronesis), a coragem (andreia), a temperança (sophrosyne) e a justiça (dikaiosyne). A primeira das virtudes encontra-se exclusivamente nos guardiães; a segunda, também nos guerreiros; a temperança deve pertencer a todos e possibilita a harmonia geral de todas as classes. Assim, a justiça consistirá em cada um exercer uma só função na sociedade: a função que a natureza lhe atribuiu (433a). Aplicando tudo isto ao indivíduo, se a cidade tem três classes, a alma do indivíduo tem três elementos ou partes. Distingue-se aqui a parte apetitiva, a parte irascível e a parte racional. Aos apetites compete obedecer; às emoções, ao thymos, compete moderarem-se e dirigirem-se correctamente para um fim adequado; à razão compete governar.
Seguidamente, numa "espécie" de digressão no livro V, Polemarco e Adimanto interrompem Sócrates para uma boa explicação da comunidade de mulheres e filhos que foi introduzida no livro IV (423e- 424a). Sócrates propusera que, sendo a vida dos guardiães toda passada em comym, os próprios filhos deveriam ser partilhados por toda a classe. Além disso, propusera que as mulheres, tendo a mesma capacidade dos homens, deveriam exercer exactamente as mesmas actividades que os homens. Finalmente, propõe que, para além da igualdade sexual nas actividades políticas e da partilha de mulheres e filhos ao nível da classe dos guardiães, a polis deveria ser governada por filósofos, pois o filósofo é aquele que pratica, que exerce praticamente, a prudência.
É aqui relevante fazer uma distinção entre saber e opinião, ou melhor, entre o «amigo do saber» (philosophos) [1] e o «amigo da opinião» (philodoxos).
Durante os livros VI e VII é abordada a preparação do filósofo.
No início do livro VIII Sócrates retoma o tema que Polemarco e Adimanto tinham interrompido. Então, começa a referir-se às quatro formas de governo e como se sucedem.
Começando pela timocracia (governo que preza as honrarias), passando à oligarquia (" governo de poucos"), depois à democracia (" governo do povo para o povo") e por fim a tirania ("governo de um só homem que ascende ao poder por meios ilegais").
A degradação humana põe a questão inicial da felicidade e virtude de cada uma destas espécies, relacionando com as qualidades predominantes na cidade.
A conclusão é que o tirano (o maior escravo dos prazeres e apetites) é aquele que mais se opõe ao filósofo-rei , pois este tem a acessibilidade aos prazeres mais puros e reais, sabendo também que a justiça ao contrário da injustiça traz vantagens a quem a pratica.
O esboço da sucessão dos vários regimes torna o estatuto de realidade da polis delineada na República eminentemente problemática

[1] O filósofo aqui expresso não é «um membro de uma escola de pensamento entre outras escolas, equipado com doutrinas expressas em fórmulas convenientemente sistematizadas», mas «no fundo, um homem com capacidade para o abstracto». ( E. Havelock. Preface to Plato. P.281).
Relatora: Lia Neves

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